Burocracia, eis uma expressão que causa arrepios. Empregada em tom pejorativo, atualmente é associada ao excesso de formalidades nas repartições públicas, cujo propósito obstrui o fluxo dos processos, criar embaraços às ações e dificultar a vida dos cidadãos. Todavia, o termo burocracia nem sempre esteve associado ao negativo.
Forjado em meados do século XVIII, era empregado para se referir à estrutura estatal composta por servidores públicos encarregados das funções coletivas. Já no século XX, passou a designar a rigidez do aparelho estatal e dos organismos que se relacionavam com a coletividade.
Sob a égide do Estado moderno, onde vigora o império das leis e a submissão de todos ao seu comendo, incluindo o próprio Estado, a burocracia atingiu seu ápice. Desde então, representa o aparato técnico-administrativo alicerçado em competências previamente estabelecidas e que devem ser exercidas por servidores responsáveis pela execução de importantes funções públicas, atividades estas, em tese, moldadas dentro de um modelo que deveria ser racional e lógico, naquilo que poderíamos chamar de processo.
A incompreensão dos desígnios da administração pública e do próprio Estado subverteu o conceito de burocracia e fez florescer anomalias e imperfeições, representadas pelo exagerado apego aos regulamentos e ao formalismo, provocando a centralização do processo decisório, reservas de competências e de sinais de autoridade, além da efetivação de rotinas e procedimentos ineficientes. A doutrina especializada trata isto como “disfunções da burocracia”
As disfunções geram inoperância, rigidez administrativa e cria legiões de servidores alienados aos processos, os quais apenas executam rotinas robotizadas e ineficientes, cujo resultado prejudica os cidadãos, os investimentos e à geração de novas riquezas, tornando-se solo fértil para florescer a corrupção.
Tal fato tem provocado inquietações e forçado uma onda de desburocratização país afora, sendo ela a nova palavra de ordem. A grande questão agora é: como desburocratizar esta paquidérmica estrutura?
Primeiro, e necessário ter em mente que não existe fórmula certa ou mágica. Segundo, compreender que desburocratizar não e sinônimo de eliminação das regras e a liberdade para tudo fazer, pois a burocracia, na sua pura acepção e à luz do Estado Democrático de Direito, representa a salvaguarda dos cidadãos e sintetiza as formas de relações de uma sociedade moderna, onde há respeito às autoridades e às leis.
Importante relembrar que a burocracia é condição primordial para o desenvolvimento, pois além de evidenciar o dinamismo de uma sociedade, ela se mostra indispensável ao progresso e está presente em todas as organizações, sejam elas púbicas ou privadas. Entretanto, burocratizar também não é sinônimo de supervalorização das normas, regulamentos e rigidez formalística, pois isso mata a economia e aniquila investimentos.
É preciso mudar a cultura dos servidores públicos quanto a razão dos processos e do seu mister em face dos cargos que ocupam. Nessa seara, a maior dificuldade reside no convencimento das pessoas sobre a necessidade da efetivação de novos modelos e nas vantagens que eles poderão proporcionar, sendo preciso romper com visões conservadoras e com a centralização de competências, além de afastar o medo da perda do poder, pois são fatores que conduzem a ineficiência.
Burocracia e desburocratização é um processo lento e gradual. Parte, primeiro, do convencimento sobre a necessidade de uma mudança comportamental dos protagonistas que atuam no processo, haja visto que quanto mais dinâmica e evoluída for uma sociedade, mais leve e ágil deve ser a administração pública e preparados devem ser os servidores públicos.
Desburocratizar é um desafio que passa pela mudança da cultura de um povo.
Informações Sobre o Autor:
Miqueas Liborio de Jesus
Auditor Fiscal do Município de Joinville (03/1998), Membro julgador da Junta de Recursos Administrativo-Tributários do Município de Joinville, Professor das cadeiras de Direito Tributário I e II, do Curso de Direito da Associação Catarinense de Ensino (ACE), Bacharel em Ciências Jurídicas (Direito), pela Universidade da Região de Joinville (Univille), aprovado no exame da OAB em 2006 e especialista em direito tributário pela FGV. (www.miqueasliborio.com.br)