A Magna Carta prescreve o devido processo legislativo, por meio do qual as normas jurídicas são produzidas e insertas no ordenamento jurídico. Cumpridas as formalidades inerentes, há a presunção de constitucionalidade das leis e elas reputar-se-ão, em tese, válidas, imperativas e de observância geral inescusável, em homenagem aos postulados do princípio da segurança jurídica, cujo vértice se estriba na crença de que o ato produzido pelo Legislador Ordinário, a priori, reputa-se dentro da moldura constitucional, razão pela qual o cidadão deve curvar-se ao comando normativo.
Assim, a norma jurídica produzida de acordo com a moldura constitucionalmente estabelecida somente pode ter seus efeitos afastados por ato do próprio legislador ou por via de ações judiciais próprias, em especial aquelas que se inserem na esfera de competência do Supremo Tribunal Federal, posto que somente ele possui poderes para extirpar da ordem jurídica os atos inconstitucionais, por via de decisões de efeito erga omnes.
Na seara tributária, é preciso recordar que a exigência dos tributos se dá por intermédio de uma atividade administrativa plenamente vinculada, conforme assentado na parte final do artigo 3º, combinado com o parágrafo único do artigo 142, ambos da lei federal nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), os quais, taxativamente, determinam que o tributo, na qualidade de contraprestação pecuniária compulsória, de natureza ex legis, deve ser cobrado “mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Tal prescrição é decorrente do princípio da legalidade tributária e sua essência subtrai a discricionariedade (liberdade) da autoridade competente, impedindo-a de exercitar a tributação, a arrecadação ou a fiscalização como lhe aprouver.
A severidade da vinculação da atividade fiscal tolhe da Autoridade a faculdade de interpretar e aplicar a lei tributária livremente e à luz de juízo próprio de valor. A autoridade administrativa competente não dispõe da conveniência para decidir se vai ou não cobrar ou dispensar o quantum devido, posto que a tributação e a arrecadação devem ser exercidas com a estrita observância daquilo que foi delimitado na lei, em sentido formal e material da palavra. Daí a dicção do CTN acerca da vinculação da atividade tributária.
Em outras palavras, não cabe à autoridade decidir se determinada norma é justa ou injusta ou se é constitucional ou não. À ela cabe tão somente o múnus da obediência, devendo aplicá-la nos estreitos limites aprovados pelo legislador ordinário. Sobre isto ensina Ricardo Alexandre[i]:
A autoridade tributária não pode analisar se é conveniente, se é oportuno cobrar o tributo. A cobrança é feita de maneira vinculada, sem concessão de qualquer margem de discricionariedade ao administrador. Mesmo que o fiscal, o auditor ou o procurador se sensibilizem com a situação concreta, devem cobrar o tributo.
Desta feita, reconhecer administrativamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo da administração contraria os princípios da presunção das leis e da vinculação da atividade fiscal. Ademais, também haveria ofensa aos postulados do Estado Democrático de Direito, em cujo vértice assenta-se o escopo da separação dos poderes, por meio do qual é vedado a um Poder usurpar a competência do outro. Resulta dizer que, enquanto não sobrevier medida judicial sobrestando os efeitos de certa lei, não é lícito à autoridade, administrativamente, abster-se de aplicar aquilo que está vigendo, sob pena de afastar norma devidamente abalizada pelo processo legislativo regular.
Insista dizer que, na hipótese da Administração afastar ou negar os efeitos da lei, tida como expressa, vigente, válida e eficaz, ela não estaria revendo um ato seu, nos estreitos limites preconizados pelas súmulas 346 e 473, do STF; estaria, sim, julgando ou revisando um ato do Poder Legislativo, em clara agressão ao princípio republicano da harmonia entre os poderes, cuja severidade traz como deslinde a possibilidade de responsabilização funcional da autoridade, podendo, ainda, conduzir a possível caracterização dos crimes de prevaricação (art. 319 – Código Penal) e de improbidade administrativa (vide lei nº 8.429/1992), além de outras implicações administrativas.
[i] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª ed., Rio de Janeiro: 2009, pág. 41.