Dizem que relembrar o passado é sofrer duas vezes, mas no caso específico é necessário para trazer luz a mais uma greve capitaneada pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Joinville – SINSEJ. A pauta cinge o combate à ação do Governo que decidiu não pagar o vale alimentação nos dias não úteis, de férias, de recessos etc..
Muitos não devem entender os motivos da greve e principalmente de onde surgiu a história do vale alimentação para os servidores públicos. Para compreender é preciso um mergulho no tempo. O Município de Joinville, historicamente, concedeu aos Servidores que se enquadravam dentro de certo perfil socioeconômico (que recebiam até certa remuneração) uma cesta básica, na forma disciplinada na lei municipal nº 3.050/1994. O benefício era concedido àqueles que não possuíssem faltas injustificadas ou registros de entradas tardias ou saídas antecipadas ou não recebesse, durante o mês, advertência verbal ou escrita, ou suspensão, nos termos disciplinados em decreto.
A cesta básica, além de auxiliar na alimentação da família, também servia como complemento de renda. Nos períodos de distribuições os servidores se deslocavam até determinados locais para retirar sua cesta. Impressionava a romaria de servidores pela cidade. Os menos abastados iam de bicicleta e até de ônibus. Outros iam de carro ou de carona, mas poucos deixavam de ir.
Em 2011, a Administração Municipal decidiu substitui a cesta básica pelo vale-alimentação ou auxílio-alimentação. Houve mobilização dos servidores, sob a alegação de que o assunto não foi discutido e acordado com os interessados, porém a Câmara de Vereadores aprovou o projeto com algumas emendas, o qual foi sancionado e deu origem à lei municipal nº 6.945/2011. Importante destacar que o critério remuneração continuou sendo preponderante à concessão do direito.
A partir da substituição da cesta básica pelo auxílio-alimentação, a Administração se desincumbiu de licitar e comprar milhares de cestas, assim como de promover toda a logística de distribuição. Por outro lado, o Servidor passou a ter direito de decidir quais produtos deseja adquirir e o local onde comprar.
Neste ponto, vale destacar a diferença existente entre vale-alimentação e vale-refeição. Ambos só se tornam obrigatórios quando pactuados entre o empregador e os empregados, estes representados pelos seus respectivos sindicatos. O primeiro é um benefício que permite a compra de produtos do gênero alimentício nos supermercados, açougues, padarias etc.. Na iniciativa privada, é uma forma de complementação salarial, não obrigatória, e serve como estímulo para atrair profissionais, a exemplo do que ocorre com a concessão de plano de saúde.
O segundo, por sua vez, é termo empregado para o benefício dados aos colaboradores para que eles, durante a jornada de trabalho, possam se alimentar em restaurantes, lanchonetes ou qualquer outro estabelecimento gastronômico que sejam credenciados pelo empregador. Também de natureza não obrigatória, na iniciativa privada é concedida para atrair profissionais.
Embora possam parecer semelhantes, há que se dizer que são distintos. Por intermédio do vale alimentação o empregado possui o direito de comprar gêneros alimentícios e insumos para si e sua família e serve como meio de economizar nos gastos domésticos. Já o vale refeição possui como escopo a refeição em si e durante a jornada de trabalho. Significa dizer que se não trabalhar não recebe. No primeiro inexiste correlação com a jornada de trabalho, enquanto que o segundo sim, fato este que permite o não pagamento nos períodos de afastamentos como férias, licenças, finais de semana ou dias não úteis.
Para encerrar a temática, percebe-se que a Administração Municipal se equivocou ao pretender descontar os dias não úteis ou períodos de afastamentos regulares. Ao que percebe, errou ao interpretar a legislação que concede tal benefício e atropelou institutos positivados e respaldados na jurisprudência. A medida contraria mais de duas décadas de direitos dos servidores, pois ignora que o atual auxílio-alimentação é, a bem da verdade, a velha cesta básica travestida.
É como diz o meu Pai: de um pé de galinha fizeram um revirado. Era o que faltava para reascender a luta sindical pela prevalência de um histórico direito dos servidores, concedido nos áureos tempos em que a administração municipal optava por conceder penduricalhos aos servidores, evitando-se assim o pagamento de encargos previdenciários à razão de 20% sobre os mesmos. Quem não se lembra dos benditos abonos concedidos e outras negociações com o SINSEJ, ao invés de conceder reajustes salariais dignos e na proporção da inflação do período? É a tal da economia de momento e que estupra o futuro, mas isto é história para outro dia…
Por derradeiro e apenas para deixar registrado, razão assiste ao SINSEJ…
Informações Sobre o Autor:
Miqueas Liborio de Jesus.
Auditor Fiscal do Município de Joinville (03/1998), ex Membro julgador da Junta de Recursos Administrativo-Tributários do Município de Joinville, Professor das cadeiras de Direito Tributário I e II, do Curso de Direito da Associação Catarinense de Ensino (ACE), Bacharel em Ciências Jurídicas (Direito), pela Universidade da Regiãode Joinville (Univille), aprovado no exame da OAB em 2006 e especialista em direito tributário pela FGV e em maçonologia: história e filosofia pela UNINTER.