É cediço que a Administração Tributária é atividade típica do Estado e essencial a este (art. 37, XXII, da CRFB/1988). Ela possui precedência sobre outras áreas da Administração e somente pode ser exercida por servidores de carreiras específicas, cujo ingresso depende de submissão a concurso de provas e títulos. Somente assim quem se habilitar poderá ser investido das competências e prerrogativas para o pleno exercício das funções de fiscalização e arrecadação dos tributos, faculdade esta que implica na interpretação e aplicação da legislação tributária.
Em todos os níveis das administrações tributárias da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios (estes últimos, quando melhores estruturados), as competências e prerrogativas das aludidas autoridades devem figurar na legislação tributária, ex vi da redação do artigo 194 da Lei Federal nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN):
Art. 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.
Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal.
Assim, os poderes dessas Autoridades devem ser adequadamente regulamentados, a fim de ter os contornos e a envergadura revelados. Ademais, a fiscalização e a arrecadação são atividades essencialmente formal e são plenamente vinculadas, eis que assim dispõe a parte final do artigo 3º do CTN, aonde resta explicitado o caráter vinculado da cobrança dos tributos, cuja severidade traz como deslinde a possibilidade de responsabilização funcional da autoridade tributária que agir fora dos ditames legais, revelando a envergadura e a rigidez do sistema tributário pátrio.
O ideário do Estado Liberal, sob o qual se forjou a República Federativa do Brasil, consagrou inúmeros direitos e garantias ao cidadão brasileiro, protegendo-o da truculência do Estado. Dentre as inúmeras proteções constitucionais se encontram as limitações ao poder de tributar, as quais se manifestam a partir do princípio da legalidade tributária, da segurança jurídica, dentre outros. Com supedâneo nisso, toda vez que o cidadão praticar as condutas insertas dentre as hipóteses de incidência de alguma espécie tributária, o mesmo estará seguro de que o ente tributante, para exigir-lhe o cumprimento do dever ou impor a obediência, preliminarmente, assegurou-se de que cumpriu todos os rigores normativos.
A tributação, como signo da manifestação do poder do Estado, encontra no Texto Constitucional seus fundamentos e suas limitações, eis que a Magna Carta determina que nenhum tributo pode ser exigido sem antes ter seus contornos e limites estabelecidos pelo legislador, o qual, por sua vez, deve respeitar os inúmeros preceitos que limitam o próprio poder de tributar. Nesse contexto também se acham as atribuições de quem a desenvolver a fiscalização ou arrecadação, cujos contornos devem ser tratados em norma específica e destinada a fixar o conjunto de regras e formalidades a serem observadas, sem as quais a cobrança, isto é, a exigibilidade do tributo será aniquilada.
Embora o tributo possa ser traduzido como um dever fundamental, princípio este que compele os Cidadãos à contribuição compulsória, insta observar que em suas entranhas jaz o dever de lealdade. Sob a ótica de quem paga, impõe o dever de declarar corretamente os fatos praticados e a precisa entrega do quantum devido, sob pena de se sujeitar as sanções previstas na lei tributária. Sob o prisma de quem recebe, revela-se como verdadeira masmorra aos interesses exacionais desmedidos, oportunistas e casuísticos.
Segundo o 142 do CTN, o lançamento tributário é atividade administrativa vinculada e obrigatória, e como tal somente passível de ser exercida por autoridade competente, cumprindo-lhe a missão de tornar definitiva a relação jurídico-tributária nascida com a ocorrência do fato gerador. Embora tratado como procedimento, não deve ser visto como uma simplória ou singela formalidade destinada assegurar o direito ao crédito: ele é, também, uma proteção do sujeito passivo contra expropriações indevidas.
Seu vértice determina que a autoridade competente deve investigar as circunstâncias do fato imponível, assim como promover o adequado enquadramento à norma, naquilo que poder-se-ia dizer de subsunção do fato à norma. Ademais, cumpre, ainda, determinar a natureza da obrigação (se tributo ou multa), quantificar seu montante, identificar o sujeito passivo e aplicar as penalidades eventualmente cabíveis. Apenas com sua precisa realização o Fisco poderá se impor frente ao Sujeito Passivo e dele exigir a satisfação do dever jurídico, qual seja, o de entregar o quantum previsto na lei, isto é, pagar o tributo.
Assim, ao formalizar o crédito tributário, a autoridade competente interpreta a legislação tributária e dela extrai o entendimento para o adequado enquadramento do fato praticado pelo sujeito passivo. É por intermédio desta dinâmica exegética que o sujeito passivo exercerá o direito ao contraditório e ampla defesa e o fisco sustentará seu direito no âmbito administrativo ou judicial. Qualquer exigência desgarrada dessas premissas ou das formalidades essenciais não é arrecadação, mas pura arbitrariedade.
É por intermédio do lançamento tributário que o fisco certifica que todos os elementos exacionais ocorreram e que estão conformes com a regra matriz de incidência do respectivo tributo, disso decorrendo o nascimento do dever jurídico de entregar o valor devido. Em outras palavras, por via da realização do lançamento tributário o fisco consolida em definitivo a relação jurídico-tributária e aquilo que se encontrava no ventre da obrigação tributária, percebida como mera expectativa de direito, vem ao mundo com toda sua envergadura, abrindo caminho à exigibilidade.
Importante ter em mente que o lançamento tributário e a cobrança não confundem. Dentro da dinâmica da relação jurídico-tributária, o lançamento tributário é o meio pelo qual o fisco assegura o direito ao crédito tributário. Já a cobrança, pode ser entendida como consequência do direito ao crédito tributário formalizado. Esta é sinônimo de exigibilidade, a qual se dá com a constituição definitiva do crédito tributário (artigo 174, do CTN), assim entendido o exato momento em que cessarem as controvérsias administrativas sobre a exação, implicando dizer que para a administração tributária aquilo é certo, líquido e plenamente exigível, eis que não subsistem quaisquer controvérsias administrativas.